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Salvo pelo futebol, Walter conta as lutas da infância e os sonhos que ainda o movem

Foram seis dias do início da especulação de que Walter viria para o Atlético Paranaense até a apresentação oficial do atacante, em 2015. Tempo mais do que suficiente para que o jogador caísse nas graças da torcida rubro-negra. Logo na primeira aparição, ainda de calça jeans e sem poder atuar, ouviu os gritos de toda a arquibancada.
 
Mas para chegar até este momento, Walter superou obstáculos. Lutou contra a vida diversas vezes, perdeu amigos e familiares. Sofreu ao lado da família, mas conseguiu vencer, sempre sob o olhar atento de Dona Edith. A fé e a luta da mãe, que não poupou esforços para que o atacante pudesse vencer, não foram em vão.
 
Antes de nascer, Walter já lutava pela vida sem saber. O jovem foi gerado mesmo após uma laqueadura feita pela mãe [procedimento para evitar a gravidez]. A notícia chegou com surpresa. Seria a décima gestação de Dona Edith. Quatro filhos não resistiram e faleceram antes do nascimento. Com outros cinco para criar e sem condições financeiras, o desespero bateu.
                               
"Eu vim pela vontade de Deus mesmo. Ela [Edith] já tinha feito de tudo para não ter mais filhos. Quando o médico falou que ela estava grávida, não acreditava", conta Walter. "Ela não dava conta. Trabalhava sozinha para sustentar todos os filhos. Com o tempo, aceitou e fez de tudo para cuidar de mim da melhor forma possível", relembra, orgulhoso, o filho mais novo.
 
O orgulho não é à toa. O sustento da casa vinha todo do esforço de Dona Edith. Com um cesto de perfumes na cabeça, ela saía pelas ruas do Coque [periferia de Recife] e encarava todas as adversidades. Batia de porta em porta para garantir a sobrevivência dos filhos. Com o tempo, deixou de comprar comida para fazer com que o caçula tivesse dinheiro para treinar em escolinhas.
 
A dedicação valeu a pena. Em uma região muito perigosa de Recife, Edith viu o filho fugir do caminho do crime. Walter driblou todos os contratempos da favela, deixou de lado as tentações do crime e seguiu seu caminho vitorioso.

 


 

 

O atacante passou pelas bases de Santa Cruz e Vitória até chegar ao São José, de Porto Alegre. Lá, destacou-se e chamou a atenção da dupla Grenal. Em 2007, foi transferido para o Internacional. No clube gaúcho, conseguiu realizar seu primeiro sonho: comprar uma casa para a mãe.
 
No mesmo ano, brilhou na Copa São Paulo de Futebol Júnior e subiu ao time profissional. O início turbulento não impediu o atacante de seguir. O currículo soma passagens pela Seleção Brasileira Sub-20, Porto [Portugal], Cruzeiro, Goiás, Fluminense e Atlético Paranaense.
 
"Eu venci. Posso falar que consegui ser um jogador de futebol e me manter. Tem muitos que chegam ao profissional e não conseguem. Passei em times grandes e só tenho a agradecer", destaca Walter. "Não esperava tudo isso. Passei por momentos muito difíceis. Vi morte, assaltos. Amigos se perderam. Mas lutei e consegui meu respeito", acrescenta.
 
A venda para o Porto alavancou a carreira do atacante. Porém, a vida em Portugal não foi só de alegrias. Mesmo com as conquistas de títulos importantes como a Liga Europa, Campeonato Português, Taça e Supertaça de Portugal, Walter enfrentou a concorrência pesada de atacantes como Falcão García e Hulk.
 
Foram 33 partidas disputadas em duas temporadas, com uma ótima marca de 16 gols. O rendimento começou a cair quando Walter precisou enfrentar outro problema familiar. A alegria do nascimento da filha veio com uma carga enorme de preocupação. Catarina Vitória nasceu prematura, com seis meses e apenas 700 gramas.
 
"Aprendi muito lá e ganhei títulos importantes. Mas em 2011 minha filha nasceu muito pequena e o médico falou que foi um milagre ela sobreviver. A preocupação com ela era muito grande e o futebol caiu um pouco. Depois, machuquei o tornozelo. Perdi espaço e voltei", conta.
 
No retorno ao Brasil, passou por Cruzeiro, Goiás e Fluminense. No time goiano, Walter viveu um dos melhores momentos da carreira. Foram 45 gols em 82 jogos pelo clube esmeraldino, além da conquista de diversos prêmios individuais no Brasileiro de 2013.
 
A chegada ao Atlético Paranaense aconteceu em abril do ano passado. De lá para cá, foram 39 partidas disputadas, 11 gols marcados e admiração mútua. "Quando eu cheguei, em várias pesquisas, o torcedor aprovava minha contratação. Foi a primeira vez na carreira que fui apresentado direto no estádio e isso me marcou. A nossa torcida é fantástica e o carinho de todos é importante e especial para mim", afirma.


 

 

 

Confira, abaixo, a entrevista especial com o atacante Walter:
 
Site Oficial: Você teve uma infância difícil e viveu em uma região muito perigosa de Recife. O que mais te marcou nesse período?

Walter: Onde eu morava, o bairro era muito perigoso. Com seis anos, vi a morte do meu irmão de perto. Foi uma coisa muito pesada, que me deixa triste. Tivemos que sair do bairro depois. Mas eu nunca tive nenhum vício e nunca me envolvi com coisa errada.

 

Site: Essas dificuldades que você passou te fortaleceram como pessoa?

Walter: Eu vi que não era aquilo que queria. Todos viam que eu queria buscar esse mundo do futebol. Eu corria atrás de bola o dia todo e foquei nisso, sem fazer nada errado. O futebol me tirou disso.

 

Site: Quando começou a sua luta para virar jogador de futebol?

Walter: Aos 11 anos, entrei em uma escolinha. Minha mãe conseguiu uma cortesia, porque não tínhamos condições de pagar. No ano seguinte, eles acabaram com as cortesias e tive que parar. Aí apareceu um teste no Santa Cruz, que eu passei. Eu jogava com os mais velhos, mas meio de lado. Em pouco tempo, eu parei de ir.

 

Site: E como você retomou esse contato com o futebol?

Walter: Deus é tão grande que trouxe outro teste do Santa Cruz, lá no Coque. Fui de novo e passei. Desta vez, fiquei no Infantil e as coisas começaram a acontecer. Fiz um bom Campeonato Pernambucano, com 29 gols. Depois me levaram para o Vitória. Fui sozinho e, na primeira semana, já queria voltar. Mas vi que era aquilo que eu queria e daquela forma que poderia ajudar minha mãe. De lá, fui para o São José e depois para o Internacional, onde as coisas mudaram completamente.

 

Site: Você sempre comenta muito da sua mãe. Tem inclusive o nome dela tatuado no braço. Qual a importância da Dona Edith em sua vida?

Walter: Minha mãe é tudo para mim. Hoje, só estou aqui por causa dela. O que ela fez por mim, pedindo dinheiro emprestado e trabalhando direto, não tem preço. Ela corria atrás e me levava para os treinos. Foi meu pai e minha mãe. Ela colocava uma caixa grande de perfumes na cabeça e saía. Eu ficava muito preocupado, com o 'coração na mão', porque o Coque era perigoso. Mas nos momentos difíceis ela estava sempre comigo. Só tenho coisas boas para falar dela.

 

Site: Quando você foi para o Vitória e ficou longe dela foi complicado?

Walter: Ela me ligava e sempre falava que estava tudo bem. Mas eu sabia que não estava, que só falava aquilo para me dar forças. E isso fez com que eu ficasse. Eu precisava ajudá-la. No Internacional, fiz uma boa Copa São Paulo e um contrato de cinco anos. Não pedi dinheiro, só queria que eles comprassem a casa da minha mãe. Consegui dar uma condição melhor para ela e isso foi a coisa mais especial da minha vida.

 

Site: Ela teve cinco filhos com o primeiro marido e depois você nasceu em uma situação inusitada, pois ela já tinha feito laqueadura. Como foi?

Walter: Eu vim pela vontade de Deus mesmo. Ela já tinha feito de tudo para não ter mais filho. Quando o médico falou que ela estava grávida, não acreditava. Ela teve quatro filhos que não nasceram e já tinha mais cinco. Ela não dava conta. Trabalhava sozinha para sustentar todos os filhos. Com o tempo, ela aceitou e fez de tudo para cuidar de mim da melhor forma possível.

 

Site: Você tem contato com o seu pai?

Walter: Eu tive no começo. Depois que ele se separou da minha mãe, não falei mais. Ele sempre foi distante e tive pouco contato, em algumas vezes que fui a Recife. Mas minha mãe foi mãe e pai. Era ela que me levava para o treino, pedia dinheiro emprestado para me ajudar e fazia de tudo para me ver bem.

 

Site: Você chegou a trabalhar escondido para tentar arrumar dinheiro e ajudar em casa?

Walter: Ela nunca me deixou trabalhar. Eu saía escondido para puxar carroça e tentar trazer dinheiro para dentro de casa. Já pedi dinheiro em sinaleiro, vendi laranja e aqueles 'cachorrinhos' de carro. Minha mãe trabalhava o dia todo e chegava sempre tarde em casa. Queria ajudar de alguma forma.

 

 

 

Site: Com todas essas dificuldades, imaginava chegar até aqui?

Walter: Não imaginava. É muito mais do que eu pensei. Eu venci. Posso falar que consegui ser um jogador de futebol e me manter. Tem muitos que chegam ao profissional e não conseguem. Passei em times grandes e só tenho a agradecer. Não esperava tudo isso. Vi morte, assaltos. Amigos se perderam. Mas lutei e consegui meu respeito.

 

Site: Apesar dos problemas com o nascimento da sua filha, a passagem pelo Porto foi importante para a sua carreira?

Walter: Com certeza, aprendi muito lá. Ganhei títulos importantes com apenas 21 anos. Isso fica marcado no currículo. No meu primeiro ano, cheguei bem. Mas o Falcão García estava em um momento muito bom. Joguei pouco, mas sempre fiz gols. O torcedor tem um carinho por mim. Em 2011, minha filha nasceu prematura, com seis meses e 700 gramas. O médico falou que foi um milagre ela sobreviver. Já tínhamos perdido um em 2010, que nasceu prematuro e não suportou. Então, a preocupação com ela era muito grande. O futebol caiu um pouco e depois machuquei o tornozelo. Perdi espaço e voltei para o Brasil.

 

Site: Como foi para você chegar ao Atlético Paranaense e ser apresentado no estádio, antes de uma partida?

Walter: Já gostei que quando eu cheguei, em várias pesquisas, o torcedor aprovava minha contratação. Foi a primeira vez na carreira que fui apresentado direto no estádio, com a torcida. E só tenho a agradecer o carinho de todos. Já naquele primeiro contato, a torcida do Atlético me marcou.

 

Site: Mesmo passando em outras equipes grandes, você disse que nunca viu uma torcida como a do Atlético Paranaense. O que mais te chamou a atenção aqui?

Walter: A torcida é uma coisa absurda. Não falo para agradar ninguém e sim porque é verdade. Quando vejo aquela torcida gritando o nome dos jogadores, arrepio.

 

Site: Sentir-se bem no lugar onde você está é essencial para que o seu rendimento seja bom?

Walter: Eu preciso estar bem e feliz. Quando não estou feliz, sou o primeiro a falar. Quando não me sinto bem, não rendo tanto em campo. Desde que cheguei aqui, todo mundo me trata bem, preocupa-se comigo. Tem dias que fico mais tempo depois dos treinos, sem pressa para ir embora. Faço tudo que tenho que fazer e me sinto em casa.

 

Site: Essa receptividade que você sempre teve aqui foi um dos motivos que fez com que você permanecesse no Atlético nesta temporada?

Walter: Tenho um carinho muito grande pelo Atlético Paranaense, pela torcida, pela diretoria, pelos funcionários e pelos jogadores. Todos me tratam muito bem. Tenho certeza que será muito bom para mim e farei um grande ano aqui, junto com o projeto que o clube tem.

 

Site: No ano passado, você marcou 11 gols com a camisa rubro-negra. O que você espera para a atual temporada?

Walter: Pode ter certeza que será ainda melhor em 2016. Estou muito focado. No Goiás, fiquei seis meses em 2012 e 2013 foi o melhor ano da minha vida. Espero fazer a mesma coisa aqui nessa segunda temporada. Quero ter um ano muito bom para mim e para o Atlético Paranaense. Estou feliz e contente. Tem tudo para ser um 2016 especial.

 

Site: Você teve um início de ano diferente aqui no Atlético Paranaense, intensificando a preparação antes de voltar a jogar. Como tem sido este trabalho?

Walter: Tem sido muito bom para mim. Foi difícil, mas eu consegui diminuir muito o meu peso. Tenho que agradecer muito ao Atlético Paranaense, principalmente ao pessoal da nutrição, preparação física, fisiologia e da cozinha pelo trabalho já realizado. Todos estiveram ao meu lado, inclusive nas folgas, para me ajudar. Esta confiança que recebi do clube, quero retribuir dentro de campo.

 

Site: Este planejamento que o Clube fez para você pode ser determinante no decorrer da temporada

Walter: Foi feito um plano para que pudesse estar bem fisicamente. Mesmo quando o grupo tinha treino só pela manhã, eu ficava dois períodos trabalhando. Teve um cuidado de todas as áreas e só tenho a agradecer. Sem todos estes profissionais e sem esta estrutura, não chegaria ao peso que estou. Desde 2010, esta é a minha melhor condição física e o meu menor peso. A força que recebo dos outros jogadores também tem sido fundamental.

 

Site: E com estes quilos a menos, como você se sente em campo, nos treinamentos?

Walter: Estou leve. Eu me sinto bem, rápido, forte e com confiança. Tenho treinado muito forte e melhor. Preciso recuperar só o ritmo de jogo. Mas, com os treinos que fiz, isso será rápido. Nestes dois meses que estou aqui, treinei muito mesmo. Eu me dediquei e tem tudo para dar certo. Eu confiei no Clube e o Clube confiou em mim. Acredito que será um ano muito bom para o Walter e para o Atlético Paranaense.

 

Site: O objetivo principal do Walter e do restante do elenco é conquistar títulos neste ano?

Walter: O nosso time do ano passado era bom e deu uma ótima reforçada. Em todos os campeonatos, vamos brigar para estar sempre na parte de cima. Teremos uma briga muito boa em todos os setores. Quando olhar no banco, tem um jogador do mesmo nível em todas as posições e que pode dar conta do recado. O Atlético Paranaense é grande e tem que pensar sempre grande.

 
Site: Você tem aqui no Atlético a oportunidade de atuar ao lado de um grande amigo de infância do Coque, que é o Anderson Lopes. Acreditava que isso poderia acontecer um dia?

Walter: Eu estou muito feliz por isso. Conversamos e ainda não caiu a ficha. Jogávamos só no final do ano, lá no Coque, e sempre tivemos essa amizade muito boa. O Coque é sempre lembrado pelas coisas ruins e nós estamos tentando mudar isso. É importante que todos saibam que também tem coisa boa por lá. O torcedor atleticano pode ter certeza que ele [Anderson Lopes] vai nos ajudar muito. É muito bom jogador.

 
Site: Neste ano, você joga novamente com a camisa 18. Como surgiu essa identificação com o número?

Walter: Meu primeiro gol no profissional foi com a camisa 18. No Porto também usei e me senti bem. Mas começou mesmo lá no Goiás. Eu usava a 7 ou a 9, mas fiquei sete jogos sem marcar gol. Pedi para o Enderson [Moreira]a 18 e ele não viu problema. Depois disso, voltei a fazer gols e as coisas começaram a caminhar bem. Então, nunca mais larguei a camisa 18. Virou uma marca do Walter e eu fico feliz por isso.