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A SAF do Athletico – afastando os receios e inventando o futuro

Créditos: Gabriel Rodriguez

Luiz Fernando Casagrande Pereira, Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná, publicou um texto sobre a Assembleia Geral de Sócios e a Sociedade Anônima do Futebol.

Leia abaixo:

A SAF do Athletico – afastando os receios e inventando o futuro

Os associados do Athletico estão convocados para uma Assembleia Geral Extraordinária. Em pauta, a autorização ao Conselho Deliberativo do clube para conceber o modelo para criação de uma Sociedade Anônima do Futebol (SAF). A ideia é que a AGE delegue ao Conselho a criação da SAF do Athletico – a primeira depois da nova Lei 14.193/2021 (já com os vetos derrubados – o que resolveu os entraves tributários). O Athletico sairia na frente, atraindo os primeiros investidores interessados nesse novo mercado.

Há alguns receios envolvidos no movimento. É o natural medo do desconhecido. Bem analisado o passo que o Athletico quer dar, a partir dos esclarecimentos apresentados pelo Presidente Mario Celso Petraglia, não há nada que sustente os receios cogitados.

O primeiro receio a ser afastado é o suposto cheque em branco da AGE. Alguns torcedores sugerem que a Assembleia deveria aprovar desde já e previamente um arranjo societário da SAF. Sem qualquer desconsideração por quem pensa assim, o receio não faz qualquer sentido. Seria absolutamente inadequado que a AGE discutisse alternativas de complexos arranjos societários em uma assembleia com milhares de torcedores. É simplesmente incogitável. A AGE delega para o Conselho que, depois, estuda com o melhor apoio técnico possível e delibera de forma mais específica.

Além da impossibilidade de se discutir alternativas de arranjo societário em uma assembleia de milhares de pessoas, a definição prévia, sem deixar margem para o Conselho, seria completamente ineficiente. Ora, o melhor modelo, resguardados os interesses do Athlético – tema abordado em seguida –, será definido pelos movimentos do mercado investidor. E esse mercado ainda está por se formar no Brasil – um país de escassa tradição em investimentos privados no Futebol.

O máximo que AGE pode fazer, portanto, é aprovar e delegar ao Conselho.

A quem tem receio do cheque em branco, é importante lembrar que o Athletico já realiza estudos em torno do clube-empresa, com as melhores empresas de consultoria, há muito tempo. Aguardava-se a aprovação da Lei com o tema tributário equacionado – o que só surgiu agora, com a derrubada dos vetos. O Athletico não apenas estudou, como se preparou para esse momento, constituindo a FunCAP – a Fundação do Clube, elemento estratégico no modelo até aqui cogitado. A FunCAP está instituída, depois de longa tramitação própria de uma fundação, passando, inclusive, pelo Ministério Público. A verdade é que o Athletico já fez a lição de casa.

A propósito, é importante lembrar que também contra a FunCAP havia uma mistificação de alguns poucos torcedores. Em alguma medida, é possível dizer que similar mistificação volta agora com a AGE para aprovar a SAF. É sempre o medo do desconhecido ou desconfiança enviesada de alguns.

Como esclareceu o Presidente Mario Celso, o modelo cogitado tem por pressuposto aliar e alinhar o potencial de crescimento com a necessidade de segurança do patrimônio, identidade e tradição do clube. Nada será concebido que possa colocar em risco quaisquer dos elementos essenciais da tradição e do objetivo do Athletico. A finalidade sempre será o máximo desempenho do time de futebol.

É importante compreender bem o novo instituto da SAF para ver como não há nenhuma incompatibilidade entre a entrada de investidores e a manutenção dos elementos essenciais do Athletico.

Criada pela Lei nº 14.193/21 (a “Lei do Clube-Empresa”), a figura da SAF é nova e veicula uma grande promessa de modernização do futebol brasileiro. A ideia é deixar o Brasil mais próximos de bons exemplos dos Estados Unidos e da Europa. A SAF permitirá aos clubes captar recursos no mercado, com alternativas hoje não disponíveis às associações civis (atual modelo do Athletico). A transição não é obrigatória e autoriza o desenvolvimento de modelos próprios pelos clubes.

Ainda há natural incompreensão na doutrina. Alguns supõem impossível para uma associação subscrever integralmente o capital social de uma SAF, como pretende o Athletico, em razão de suposta vedação contida na Lei das S.A. Não há esse óbice. E tanto não há que o próprio Athletico, associação que é, já detém uma subsidiária integral: a CAP S.A., criada em 2011 com o propósito específico de operar a construção da Arena da Baixada. Agora, a própria Lei do Clube-Empresa é expressa em permitir que a SAF seja criada por cisão do clube originário, por exemplo. Não há a indicada incompatibilidade com a Lei das Sociedades Anônimas, enfim.

Como mencionado antes, o modelo cogitado pelo Athletico – em qualquer das versões possíveis – não vai colocar patrimônio e tradição em risco. No ambiente da SAF, a parcela de poder do investidor pode ser limitada. Não há risco de um “dono” do Athletico alterar os elementos de identificação da torcida. Nenhum risco. A SAF autoriza essa calibragem do modelo.

E essa calibragem passa pela criação de uma classe de ações com poderes especiais de veto, detidas exclusivamente pelo clube e pela FunCAP. Essas golden shares conferirão à FunCAP o papel de poder moderador em todas as deliberações relevantes da nova SAF, impedindo que qualquer decisão de investidores afete a identidade e a sustentabilidade do Athletico no longo prazo.

Para oferecer alguns exemplos, a FunCAP terá direito de veto em questões como alteração de nome, sede, uniforme, hino e cores, temas de patrimônio e ainda poderá vetar a contratação de jogadores em valores desproporcionais ou endividamento inapropriado. O investidor, assim, delibera com o poder da participação que detiver – até no máximo 50% do capital –, mas fica preservando o poder de veto da FunCAP sobre essa parcela de assuntos de maior relevância. E o Estatuto ainda pode prever quórum qualificado para inúmeras matérias sensíveis. Também por isso não há qualquer risco de diluição no capital da SAF, como alguns cogitam. Essa hipótese não existe nos modelos cogitados pelo Athletico.

Um detalhe importante. A FunCAP não protege o Athletico apenas de eventuais decisões deletérias de investidores, mas é também uma salvaguarda para gestões ruinosas do próprio Athletico no futuro. A FunCAP é perene, integrada e comandada por tradicionais e sérios athleticanos, afastada – a fundação e seus dirigentes – de disputas políticas circunstancias. A FunCAP é a guardiã do futuro do Athletico, não apenas um importante instrumento de calibragem dos investidores no ambiente da SAF.

Dizem que a melhor forma de prever o futuro é inventá-lo. O Athletico, mais uma vez, vai sair na frente e inventar seu próprio futuro.

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